sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A um ausente

Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste


( C. Drummond de Andrade)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013



''Estas alegrias violentas tem fins violentos

Falecendo no triunfo, como fogo e pólvora

Que num beijo se consomem..''

- William Shakespeare (Romeu e Julieta)

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Obscura

    Ainda parece tudo escuro, sombrio, agarrado à trevas que não me deixam sair, sinto como seu eu pudesse me atirar em uma areia movediça e me deixar perder sem olhar pra cima, sem pedir ajuda ou demonstrar qualquer arrependimento.
    Enquanto você vive feliz em seu mundinho de cores, o meu se apaga, se dissipa... Sem você... Sem amor... Sem cores... Sem olhares felizes... Sem beijos de amor... Eu construo um escudo de gelo sobre minha alma e meu coração se transforma em um lugar fechado pra visitas, onde se habitam mágoas, onde só há dor, onde você deixou um vazio.
    O som de botas andando pelo quarto escuro, de um lado para outro, a cama vazia, o vento frio que entra pela janela me arrepia, sombras se arrastam pelo quarto, sugam minha vitalidade e trazem à tona um ser frio e sem amor próprio que se escondia em algum lugar aqui dentro.
    Vejo o sangue escorrer nos meus pulsos e me causa êxtase, a lembrança tua me atormenta, me enlouquece, o que um comprimido ou umas tragadas inibem por hora. Só o que há depois são lagrimas negras, o rímel da semana passada e o sofrimento de meses. Esqueça! Não quero ser salva, quero a escuridão comigo, ela me reconforta, me guarda e protege de você.
   Eu grito, grito, grito e ninguém me ouve, você está longe demais para me ouvir. Me ignoram, me chamam de louca. Você nem ninguém me enxergam de verdade, não entendem meu silêncio, minha mágoa, minha insanidade, julgam sem saber.
   Só o calor do teu corpo pode me derreter e me fazer emergir desse mar obscuro. Eu sinto teus olhos em mim, ainda me dizem algo e eu pouco me importo. Sinto minha alma presa à ti. Me chame, me puxe, me acorde, preciso de ti  como preciso de ar.. Aqui embaixo é tão frio e mal posso respirar...
    Você me deixou, me largou sozinha, não estranhem o que me tornei, foram todos vocês que me jogaram aqui.

domingo, 12 de maio de 2013

Essas meninas

     As alegres meninas que passam na rua, com suas pastas escolares, às vezes com seus namorados. As alegres meninas que estão sempre rindo, comentando o besouro que entrou na classe e pousou no vestido da professora; essas meninas; essas coisas sem importância.
     O uniforme as despersonaliza, mas o riso de cada uma as diferencia. Riem alto, riem musical, riem desafinado, riem sem motivo; riem.
     Hoje de manhã estavam sérias, era como se nunca mais voltassem a rir e falar coisas sem importância. Faltava uma delas. O jornal dera a notícia do crime. O corpo da menina encontrado naquelas condições, em lugar ermo. A selvageria de um tempo que não deixa mais ir.
     As alegres meninas, agora sérias, tornaram-se adultas de uma hora para outra; essas mulheres.




( C. Drummond de Andrade)

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Me devore, não sei te decifrar







      Ela era intensa demais, tudo transbordava em emoções que iam e viam rapidamente, oscilavam seu humor tornando cada momento com ela tão real e inconstante que as vezes eu precisava olhar ao redor pra ver se àquilo era real, se aquela mulher insana estava mesmo segurando minha mão e brincando com o espaço entre meus dedos de uma forma que eu adoro, me olhando de baixo para cima como só ela sabia olhar (ah, aquele olhar) seus olhos pintados de preto como só ela desenhava tão bem em si mesma, a forma como ela repousava seu corpo no meu, eu ficava a desejar mais e mais, o jeito de me beijar quase devorando minha alma e toda minha vitalidade. Se preciso eu a entregaria.
     Ela não era do tipo incrível e perfeita, certinha, que dizem ''pra casar''. Era... imperfeita, louca, insensível, cruel, mas de um jeito encantador e apaixonante. Parecia que quanto mais tempo eu convivia com ela, mais eu precisava daquilo, mais eu queria estar por perto - como  uma droga que te vicia e te consome- acompanhando cada movimento, cada olhar, cada mexida no cabelo, cada gíria, seu cantarolar, cada careta que ela fazia quando eu dizia algo sensato demais, cuspindo a ideia nos meus pés de modo que me fazia achar que eu estava sendo ridículo.
     Podem me chamar de louco. Como amar alguém assim? Eu não sei! Só sei que eu  eternizaria cada segundo que passamos juntos. Quando olho suas fotos, sim, não tenho foto com ela, apenas dela (e são tantas)... Minha Deusa cínica, única, inconstante.
    Imagine aquele tipo de pessoa que parece odiar tudo ao seu redor, achar tudo tedioso demais pra merecer sua atenção, e que ao mesmo tempo parece amar o mundo e  tudo mais de uma forma abrasadora. Acho que agora você deve realmente pensar que sou louco. Que mulher é essa? Não importa, estou aqui tentando loucamente descrevê-la para tentar buscar onde está a chave de eu ser tão louco por ela, mas nem eu sei. Ela não é uma única coisa e sim a junção de um meio termo de duas coisas, uma criatura complexa e curiosa, e eu pareço um cientista querendo compreender cada imaginação e cada olhar dela, querendo conhecer cada milímetro do seu corpo como a palma da minha mão, querendo ver cada expressão que seu rosto é capaz de fazer.
     Ouvi uma respiração entediada, provavelmente é ela acordando, ou só mais um de meus delírios. Preciso voltar pra cama  e ver o movimento de seu corpo ao acordar em sincronia com braços preguiçosos, olhá-la nos olhos e dizer lhe ''bom dia'' antes que o delírio acabe e eu me veja sozinho novamente em meu quarto escuro.

quarta-feira, 24 de abril de 2013


        Seus lábios são um labirinto, nos quais eu me perco sem pressa de voltar e me encontrar.